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Gilberto Gil, Mazzola e Raulzito Rock Seixas.

O carioca Marco Mazzola está na conta dos maiores produtores fonográficos do Brasil. É responsável pela qualidade técnica e artística de discos de Gal Costa, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina e Caetano Veloso. E, também, artistas internacionais do naipe de Paul Simon, Lisa Minelli e lendas como Frank Sinatra e Miles Davis.

Nos anos 70, foi convidado por André Midani, papa do mercado fonográfico brasileiro, para assumir o posto de produtor e diretor artístico do selo Phonogram, da Philips. Mazzola esteve ligado ao início da carreira de Raul Seixas com o lançamento de Krig-ha, bandolo! (1973) e do hit “Ouro de Tolo”.

Em 1974, o produtor trabalha com Rita Lee e sua banda Tutti Frutti nas gravações do disco Atrás do Porto Tem Uma Cidade. No ano de 1976, Mazzola produz o disco Alucinação, de Belchior, disco que foi um grande sucesso de vendas (Antes, Elis Regina interpretara “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida” no show Falso Brilhante). Colabora, também em 1976, com Jorge Ben no álbum África-Brasil.

No início dos anos 80, Mazzola ingressou na gravadora Ariola (futura BMG), para a qual levou nomes como Chico Buarque e Milton Nascimento. Em sua carreira, Mazzola recebeu quatro Discos de Diamante (vendas acima de 1 milhão de cópias) – por: The Rythm of the Saints, de Paul Simon; Rádio Pirata ao Vivo, do RPM; o compacto da música “Não Chores Mais”, de Gilberto Gil; e o LP Vou de Táxi, de Angélica.

Nessa entrevistinha exclusiva, o produtor conta sobre a façanha que era, na década de 1970, gravar discos no Brasil. E também conta algumas divertidas picardias alcoólicas de Raulzito em estúdio. E não deixou escapar críticas a Paulo Coelho, ex-parceiro de Raul em inúmeras canções de enorme sucesso popular.

Entre os fãs, poucos sabem que Raul também foi um homem dos estúdios.
Marco Mazzola – Raul era um cara de sensibilidade muito grande. Cuidava dos artistas que vinham de uma nova geração, que começavam a ir para o cast da CBS, tal como o Jerry Adriani, por exemplo. Foi assim ele que aprendeu a fazer uma coisa muito difícil, que é administrar um disco em uma gravação. Na época em que fomos apresentados, Raul não foi à Phillips para “mostrar seu trabalho”. Foi, na realidade, levar Sérgio Sampaio, que tinha vencido o Festival Internacional da Canção com “Eu quero é botar meu bloco na rua”. Lembro do Raul vestido de terno, estava todo arrumado. Ele disse: ”Tenho umas músicas bonitas que eu faço na CBS”. O levei à minha sala e ele então cantou para mim “Let me sing” e “Eu sou eu, Nicuri é do diabo”. Quando ele interpretou ”Let me sing”, tirou a gravata e posicionou-se como artista de rock. Cruza de Luiz Gonzaga com Elvis Presley. Fiquei sem entender nada. Fui à sala do Roberto Menescal [á época diretor artístico da gravadora]: “Nós temos um puta artista aqui!”. “Aonde?”, ele perguntou. “Está lá na minha sala. Se inscrevermos essas músicas no FIC, ganhamos”. “Então cuida dele e o contrata”, disse Menescal. O contratei. Uma semana depois fomos imediatamente para o estúdio.

Como foi produzir discos da “fase áurea” do Raul?
Marco Mazzola – Fiz todos os seus álbuns, até sua carreira começar a declinar. Também o levei, como artista contratado, para a Warner. O Dia Em que a Terra Parou foi seu último LP produzido por mim. Antes de trabalhar com Raul, eu era requisitado para mixar discos do pessoal exilado: Caetano, Gil, Gal. O tipo de mixagem de som que eu fazia era muito diferente daquela feita, na época, no mercado fonográfico brasileiro. A Phillips contatou-me para que eu fizesse exclusivamente isso. Percebi que o importante era primar pela boa qualidade nos arranjos, pelas letras e pelos acabamentos.

De que forma você e Raul trabalhavam a criatividade no estúdio?
Marco Mazzola – Sobre isso tem uma história que eu conto em meu livro, Ouvindo Estrelas. Fui um dia à uma reunião, na qual Raul projetava o álbum Gita. É importante frisar que o formato de gravação, há 30 anos, nem de longe era como hoje em dia, onde se tem 120 canais à disposição. Nos anos 70, eram só quatro canais. Entrei no estúdio, só com velas acesas, e rolava um “ritual satânico”. Paulo Coelho estava junto. “Estamos pensando em pôr uma orquestra sinfônica no disco”, disseram-me. Mas tinham apenas quatro canais… Falei: “Deixa pra mim que eu faço!”. Desde que, no entanto, eu trabalhasse nos arranjos, foi o combinado. Assim, eu poderia fazer o que fosse preciso em estúdio. Tanto que, escutando Gita, com atenção, ouve-se até “sons de sinos de catedrais”. Em 1973, segui para os Estados Unidos, a convite da Phillips, para fazer curso em uma máquina de oito canais.Essa foi a primeira do Brasil. Depois passou para 16, 24, 48 canais.

Acredita que hoje Raul ficaria feliz com tantos canais à sua disposição?
Marco Mazzola – Na época de Krig-há, bandolo!, a gente queria botar uma guitarra do cara do Toto, o Steve Luckater. Peguei a fita, em quatro canais e levei para os Estados Unidos, onde os estúdios de 16 pistas eram realidade. Viajei com a voz de Raul gravada no Brasil. Botei vocais, teclado, guitarra e sopro. Daí para a frente, a Phillips foi obrigada a se modernizar. Não dava para gravar bateria junto com bumbo e com baixo; era assim que se gravava até então. Os técnicos da época eram verdadeiros maestros. Hoje, os discos perderam parte desse calor.

E quanto ao Paulo Coelho?
Marco Mazzola – Paulo Coelho enfiava muita coisa na cabeça do Raul, aquele negócio de Sociedade Alternativa, por exemplo. Eu convivi de perto com isso. Botava loucuras na cabeça do Raul, e ele acreditava. Por volta de 1977, Paulo largou a loucura, mas Raul prosseguiu nela. Foi uma alquimia que funcionou, porém, Raul não soube parar. Paulo Coelho soube, e muito bem.

Lembra de alguma dessas loucuras do Raul em estúdio?
Marco Mazzola – No estúdio, uma vez Raul me pediu: “Não dá pra botar um bebedor aqui?”. Instalaram um bebedor dentro do estúdio pra ele, que estava “parando de beber”. Ele chegava normal pela manhã e, ao longo do dia, ia se transtornando. ”Porra, que água esse que você tá bebendo?!”, eu ralhava com ele. Ele só ficava rindo da minha cara. Depois descobri: o garoto que limpava o estúdio colocava duas garrafas de vodca dentro do bebedor. Outra vez, ele veio com a conversa sobre saquê, que era “feito de arroz” – milenar especiaria. Então não fazia mal pra a saúde… “O problema não é o saquê”, disse pra e ele, “mas tudo o que você consome junto”.

Vocês conheceram-se pouco tempo depois de Raul gravar o álbum A Sociedade Grã-Ordem Kavernista – Apresenta – Sessão das Dez, na CBS?
Marco Mazzolla – Foi. “Eu preciso de um salário, preciso viver!”, seguidamente ele reclamava pra mim. O aconselhei: “Cara, você é um artista. Pode ganhar muito mais dinheiro como cantor do que como produtor”. Tanto que ele foi gravar como “Raulzito” e recomendei a ele: ”Esse nome não é legal. Como é todo seu nome?”. “Raul Santos Seixas”. Sugeri: “Raul Seixas”. “Beleza, então tá, daqui em diante, você não é mais Mazzola: é ‘Mazzolêra’”, ele falou. Desde então só me chamava assim.

A “desinteligência” brasileira nunca engoliu Raul Seixas direito. Você concorda?
Marco Mazzola – Concordo. O Raul me dizia: “Não consigo entender. Sou baiano, mas ninguém me dá mole”. Um dia levei o Gil à gravação, para ver se eu conseguia quebrar o gelo. Gravamos a música “Que Luz é Essa”, na qual Gil toca violão. Mas os dois não continuaram tendo relação. Uma coisa da qual muito lamento, rolou por volta de 1985. Eu estava dirigindo meu carro, e não via o Raul há muito tempo. Eu, na verdade, não compartilhava mais das loucuras dele. O vi com um violão em um ponto de ônibus. Dei a volta para tentar pegá-lo, queria conversar com ele. Quando consegui fazer o retorno, Raul havia partido. Tentei ir atrás do ônibus, mas não consegui. Fiquei meio desesperado: tentei ligar para Kika Seixas [ex-mulher de Raul] para saber dele. E um dia a mãe dele ligou para mim e disse que ele precisava muito falar comigo. Raulzito estava muito doente. Falei que estava indo a Salvador e seria muito bacana reencontrá-lo para conversarmos. Então ele me telefonou cobrando:
“Você vem à Salvador ou não, nego?”.
Quando decidi ir, Raul estava em São Paulo, vivendo com outra pessoa. Na época, eu estava gravando o disco do RPM. Tempos depois, em 1989, recebi uma outra ligação, dessa vez me avisando do falecimento de Raul. Consternado, liguei para Dona Eugênia e perguntei a se sabia o que Raul queria falar comigo. Ela me contou que Raul queria passar a limpo tudo o que havíamos vivido juntos.

Cristiano Bastos
Self Made-Man. Jornalista. Autor do livro Gauleses Irredutíveis. Colaborava com a Bizz. Foi repórter da Bien’Art (Fundação Bienal de São Paulo). Escreve reportagens especiais para a Rolling Stone. Diretor do documentário Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o álbum Paêbirú – Caminho da Montanha do Sol (1975), de Lula Côrtes e Zé Ramalho. Proprietário da Nouveau Comunicação.

IN: http://oesquema.com.br/novacarne/tag/raul-seixas/

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Raulzito e Gilberto Gil no show “Gil – 20 Anos Luz”, novembro de 1985, Anhembi, São Paulo.

Vídeo: “Que Luz É Essa?” (participação especial de Gilberto Gil)