Toca Raul!
Documentário sobre Raul Seixas estreia no cinema em março e tenta equilibrar a vida pública e a pessoal do “maluco beleza”
Alice Melo
Entre o ritmo envenenado da guitarra de Elvis Presley e o baião tocado pela sanfona de Luiz Gonzaga, Raul Seixas inventou o rock brasileiro. Ele se apresentou como Raulzito, usou brilhantina no topete e gola levantada. No início da década de 1970, deixou a juba encaracolada crescer, vestiu calças e coletes coloridos, fez parceria com Paulo Coelho, se afundou nas drogas e conduziu uma guinada na música nacional. Morreu em 1989, mas, em março, vai ressuscitar no cinema. “Raul – o início, o fim e o meio” é um documentário de Walter Carvalho que pretende compreender o mito e equilibrá-lo entre o que ele foi em casa e no palco.
“O filme tem dois planos, o público e o privado”, explica Carvalho. “Não tentei defini-lo, isso seria um erro. Porque um mito não se define, um mito se encontra, se descobre. O Raul contado ali foi o Raul que eu encontrei, mas ele pode ser muitos outros”.
No que diz respeito à vida pessoal, a história é contada de forma cronológica, mas ganha uma dinâmica de idas e vindas quando o foco é a carreira artística. Depoimentos de ex-mulheres complementam os “causos” contados por amigos e familiares, além de trechos com lembranças de admiradores e colegas de trabalho. Raul foi um homem de muitos amores e muitos conflitos – chegou a perder vários deles para o álcool e para as drogas. Nunca aceitou deixar seu lado “maluco beleza”, nem mesmo quando estava debilitado pela doença. No fim da vida estava sozinho, mas cantando. O palco sempre foi seu companheiro – nele conquistou milhares e milhares de fãs, de várias gerações. Foi um fenômeno. Ainda hoje, em concertos de rock pelo Brasil, é possível ouvir gritos vindos da plateia: “Toca Raul!”
“Ele é o nosso Elvis, o nosso roqueiro seminal, mas com um interessantíssimo tempero baiano e tropical”, opina o jornalista Nelson Motta, que também aparece em entrevista no documentário de Carvalho. “Ele se tornou público no Festival Internacional da Canção de 1972. Sua aparição foi sensacional, e logo ele virou um ídolo popular, um grande vendedor de discos e a encarnação do rock and roll em plena ditadura militar. A música ‘Ouro de tolo’, por exemplo, é uma obra-prima de sarcasmo político. É contra o ‘milagre brasileiro’ apregoado pela ditadura”, conta.
Além de entrevistas, o filme tem imagens e vídeos inéditos, assim como trechos de canções gravadas pelo mito quando ainda era criança. Walter Carvalho diz que tentou escapar do material que circula na Internet, pedindo às pessoas, em programas de televisão, que lhe enviassem vídeos amadores e fotografias captadas em shows. Deu certo. O diretor reuniu mais de 400 horas de imagens e som, e organizou tudo num mosaico bem arranjado. A voz que menos aparece e que poderia ter tido mais destaque é, por incrível que pareça, a do próprio Raul. Mas o diretor não se preocupa com isso e fala sobre a obra sem modéstia: “Estou satisfeito. Faria tudo igual de novo”.
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