Meu amigo Raul, por Sylvio Passos. Texto exclusivo pra seção “visite nossa cozinha”, da editora Todavia.

Publicado: 9 de novembro de 2019 em Filmes, Livros, Música, Music, Teatro, Televisão
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Foto: Kika Seixas - 1981, Brooklin, São Paulo/SP

Foto: Kika Seixas – 1981, Brooklin, São Paulo/SP

— Raul, você resolveu sair pra comprar umas cervejas e uns cigarros e nunca mais voltou, porra! Já se passaram trinta anos e a galera está aqui esperando até hoje essas malditas cervejas e esses cigarros. Inclusive uma galera nova chegou por aqui também. Cadê você, cara?! Por onde andou esse tempo todo?

— Porra, Sylvícola! Você está de sacanagem, né? Eu te avisei, antes de sair, que eu não voltaria mais pra essa merda. Que eu já estava de saco cheio disso tudo, dessa esculhambação generalizada. Que tudo que eu fiz foi em vão. Acho que você estava chapado demais e nem ouviu o que eu disse.

— Não… Não… Não, Raul. Eu tomei só umas quatro, ou dezoito, dosezinhas do velho e bom Jack e me lembro perfeitamente quando você pegou aquela sacolinha de tecido, feita de cânhamo, com a cara do Elvis estampada e que você tinha comprado na Califórnia. Você nem fechou a porta, apenas a encostou, e eu consegui ver você caminhando no corredor todo iluminado em direção ao elevador. Eu não tô doido, não, maluco. Você entrou naquele elevador e nunca mais voltou.

— Beleza… Beleza, Sylvícola. Quando acabar o maluco sou eu, como sempre foi. Mas, e aí, BRother? Estou aqui só de passagem, coisa rapidinha mesmo, visita de médico, saca? Só vim bater um papo contigo e já estou vazando pra, mais uma vez, nunca mais voltar. Uma tristeza gigantesca tomou conta de mim e, por isso, resolvi sumir sem avisar ninguém, porque tudo estava óbvio demais. Tudo muito previsível, e isso já vinha me enchendo o saco há muito tempo, entende? Você sabe disso.

— O.k., Raul. Entendo perfeitamente. Eu também venho sentindo essa mesma obviedade generalizada de uns anos pra cá. O mundo anda pra trás a cada nova eleição, seja ela onde for. A parte burra da humanidade continua se superando em sua especialidade. A outra parte, supostamente mais esclarecida, está totalmente corrompida e isso aponta que, logo mais, estará se juntando ao pessoal da ala jumenta. Todos caminhando rumo ao inevitável. É, Raul, a estupidez humana continua pra lá de ativa e assustadora.

— Entende agora porque eu tive que me mandar dessa merda, Sylvícola? De que valeu todo aquele “sonho que se sonha só”? De repente esse sonho virou um pesadelo sem fim. Eu não tinha outra saída, porra! Me retei com todos, inclusive comigo mesmo. Me senti um idiota, falando pra sonhadores que, mais tarde, se descobririam enganados ou idiotas também, saca?

— Caralho, Raul! É exatamente isso que eu estou vivendo, sentindo. Ainda não estou com essa vontade de jogar a toalha. Ainda não. Embora já esteja cansado dessa repetição, desse disco riscado. Mas eu sempre dou um toque sutil nele, e a música continua — até encontrar o próximo risco.

— Sylvícola, tenho que ir. Me demorei demais aqui com você. Foi bom te reencontrar depois daquela nossa última “conversa”, há trinta anos, quando não trocamos uma única palavra, não falamos absolutamente nada, mas falamos tudo. Foi a melhor conversa de toda a nossa vida. Fui! Ah… Toca Putos! E sempre se lembre: quando entrar num buraco de rato, de rato você tem que transar.

— Raul… Raul… Você esqueceu sua sacolinha de tecido, feita de cânhamo, com a cara do Elvis estampada…

Hummm… Você vai voltar pra pegar essa porra de sacolinha.

IN: https://todavialivros.com.br/visite-nossa-cozinha/meu-amigo-raul-por-sylvio-passos

Meu Amigo Raul’s photo-clip.
Letra: Sylvio Passos 2004
Arranjo/Interpretacao: Caverna 2006
Video edited by S.Passos

Muitas vezes Raul você faz falta
Eu sempre a me queixar da solidão
Quem me fez com ferro fez com fogo
Raul, é pena que você não está mais aqui não
Vou pro meu trabalho todo dia
Com a certeza que dou o melhor de mim
Quando quero relaxar eu bebo
Raul, as coisas ainda não estão tão bem assim

Toda vez que eu ouço os teus filhos
Ou me perco todo em teus versos
Eu penso em você meu grande amigo
Que sempre me mostrou Eu Mesmo
Raul onde você vai eu também vou
Raul onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou

Tentei lhe ensinar as minhas coisas
Que minha vida era séria e minha família dura
Mas, não pude calar a minha boca, Raul
E ainda estou a viver minha loucura
Lembro Raul aqueles velhos dias
Quando nós dois falavamos sobre Dr. Dom Sigismundo
Hoje você está em outro planeta
E eu continuo te divulgando pelo mundo
Raul onde você vai eu também vou
Raul onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou

Todos os nossos sonhos são iguais
Alguns conduzem à glória outros à perdição
Há tantos caminhos, tantas rotas
Mas o mundo ainda está sem direção
Eu queria muito lhe rever
E resolver aquele SAVE OUR SOUL
E tudo mais que tenha a ver com nosso universo, Raul
Mas esse momento ainda não rolou.

Raul onde você vai eu também vou
Raul onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
É que tudo acaba onde começou
Meu amigo Raul

Sylvio Passos 29/06/2004

Raul Rock Club
Raul Seixas Oficial Fã-Clube

Um Blues Para Raul
(Araújo & Passos)
Putos BRothers Band

E foi há muito tempo
Que você nos deixou pra trás
E tudo que aqui você fez
Sei que ninguém fará jamais

Sei que beberei, beberei
Lembrando de tempos atrás
Imaginando você no céu
E o nosso delírio não se desfaz

Porque eu também estarei no céu
Eu também estarei lá
Porque eu também estarei no céu
Nunca mais irei voltar

E quando minha hora chegar
Eu para trás não vou olhar
Nada terá nenhum valor
Nem vou lembrar do que restou

E aquela velha luz
Que me cobravam o tempo inteiro
Ninguém mais para seguir
Os meus longos e velhos passos

Porque eu também estarei no céu
Eu também estarei lá
Porque eu também estarei no céu
Nunca mais irei voltar

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